Acordo de Facilitação de Comercio da Organização Mundial do Comercio e o Acordo de Zona de livre troca comercial do continente africano : Duas oportunidades de desenvolvimento de São Tomé e Principe
A facilitação do Comércio nas últimas décadas tem constituído preocupação ao nível mundial e justificou, durante 10 anos, a realização de várias rondas negociais que culminaram com a assinatura, em 2013, em Bali, do Acordo de Facilitação de Comércio (AFC) pelos Estados membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O AFC que
entrou em vigor em 2017, e que até 2021 foi ratificado por 154 Estados membros
da OMC, determina através das 36 medidas concretas dispostas em 12 artigos, as
regras e padrões obrigatórios e facultativos que os Estados membros devem
seguir para impulsionar reformas de modernização das instituições que concorrem
para a logística do comércio internacional e incentivar a participação e
inclusão do sector privado nesse processo.
Alfândegas de São Tomé e Príncipe em continuo processo de modernização
A história recente das Alfândegas de São Tomé e Príncipe, demonstra que o facto de São Tomé e Príncipe (STP) não ter concluído o processo de adesão à OMC e manter uma ligação de mais de 20 anos com o Estatuto de Estado Observador, não tendo por conseguinte nenhum vínculo de obrigatoriedade na implementação do AFC, não impediu o desenvolvimento de uma visão reformista na matéria de simplificação de procedimentos e melhoria da atuação das Alfândegas em prol do desenvolvimento do comércio externo.
Com efeito, a relevância de modernizar as instituições para facilitar a fluidez do circuito do comércio externo foi considerada, por STP, como prioritária a partir do ano 2000 e nesse contexto foi iniciado o processo de modernização da Direção Geral das Alfândegas (DGA), com apoio de diversos parceiros de desenvolvimento, assentes em padrões internacionais, particularmente, os previstos na Convenção de Quioto Revista da Organização Mundial das Alfândegas.
Convictos que, modernizar é um vetor de promoção da atividade comercial, do reforço da proteção da saúde e da segurança pública bem como da otimização da capacidade de arrecadação de receitas, a DGA através de um conjunto de medidas reformistas, concluídas em 2011, permitiu dotar as Alfândegas de normas e regras modernas, desburocratizar os trâmites, diminuir as taxas aduaneiras, simplificar a estrutura pautal, reestruturar os serviços, informatizar e implementar o Guiché Único do Comércio Externo assente no Sydonia World integrando 14 instituições públicas e privadas.
Esse processo de reforma proporcionou resultados positivos com ganhos substanciais para a melhoria da organização e funcionamento das Alfândegas, para o erário público e para o sector privado, facto notório que mereceu o reconhecimento das organizações internacionais, o que foi refletido no ranking do Banco Mundial de Doing Business do referido período.
Naturalmente, a
evolução da sociedade traz novos desafios, e volvidos mais de 10 anos após a
última reforma de modernização do sector aduaneiro, STP encontra-se perante
novos desafios que são ditados pelo novo contexto mundial marcado pela
globalização, novas tecnologias de informação e comunicação e pela maior
exigência dos operadores comerciais.
A Zona de Comércio Livre Continental Africana: uma nova oportunidade para o comércio São-tomense
No mesmo sentido os compromissos assumidos pelo Estado São-tomense na realização dos objetivos de desenvolvimento sustentável com ênfase no desenvolvimento do sector produtivo, diversificação de produção e na promoção do aumento de exportação, bem como os compromissos decorrentes da adesão de STP a Zona de Comércio Livre Continental Africana ( ZCLCA), impõem novos e grandes desafios às instituições que intervêm no comércio externo e na cadeia de logística do comércio internacional
Considera-se
que a adesão de STP a ZCLCA constitui uma oportunidade para o desenvolvimento
da atividade comercial e uma alavanca do desenvolvimento de outras áreas
económicas e sociais, podendo ser otimizada pelas especificidades do País e
sobretudo pela sua posição geográfica.
Assim, partindo
do entendimento que a ZCLCA é a condição indispensável para o aprofundamento da
integração económica, a promoção do desenvolvimento agrícola, a segurança
alimentar, a industrialização e as transformações económicas estruturais bem
como o desenvolvimento sustentável do continente africano, torna-se necessário
que as condições internas em STP sejam criadas para a sua concretização.
Nesse contexto, decorre do Tratado da ZCLCA várias obrigações para os Estados membros, impulsionando STP a alinhar as suas políticas públicas no sentido de concretizar a visão dos Chefes de Estados Africanos traduzidas como aspirações da Agenda 2063, conforme os objetivos gerais , de “criar um mercado único de mercadorias e serviços, facilitado pela circulação de pessoas, a fim de aprofundar a integração económica do continente africano e de acordo com a Visão Pan-Africana de “uma África Pacífica, Próspera e Integrada”.
Ainda, dispõe o artigo 4º-e) do referido Tratado que, os Estados membros do Acordo devem “cooperar nos domínios aduaneiros e na implementação de medidas de facilitação do comércio”.
Nesse sentido, para além da necessária consolidação das conquistas obtidas até 2011, desenha-se com o Tratado da ZCLCA, uma nova visão que orienta para que as modificações futuras possam ter como objetivo principal a facilitação do comércio, no sentido de facilitar a circulação e o desalfandegamento de mercadorias em STP.
Assim, a definição de políticas públicas comerciais deve ser orientada com o objetivo de facilitar o comércio através de um programa integrado de simplificação, informatização e harmonização de procedimentos, revisão das regulamentações das diversas instituições que intervêm na logística do comércio externo, com base nos princípios internacionais de celeridade, transparência, previsibilidade, objetividade, facilitação, simplificação, padronização, reforço de capacidade de arrecadação de receitas e participação do sector privado.
Nesse quadro, o Acordo de facilitação do comércio da OMC oferece os mecanismos e as normas, já experimentados com sucesso por outros países para integrar a facilitação do comércio como novo instrumento de modernização, e cria a base para os Estados adotarem medidas e normas internacionalmente institucionalizadas, que, devidamente enquadradas e coordenadas abrangem todas as instituições públicas que concorrem para a realização do comércio internacional.
Outrossim, o
AFC permite reforçar a utilização das ferramentas de tecnologia de informação e
comunicação, com a informatização dos procedimentos e a otimização da
utilização de guiché único para melhor coordenar os procedimentos das várias
instituições e fixar um ponto comum.
Atento a importância da comunicação e parceria na facilitação de comércio, o AFC permite desenvolver as ferramentas de comunicação e divulgação de informações á favor dos operadores comerciais, e reforçar a troca de informações entre as Alfândegas no âmbito de cooperação ao nível regional e internacional.
A facilitação
do comércio assume-se de maneira clara e explícita como uma prioridade dos Estados
Africanos. Assim o Protocolo de Comércio de Mercadorias da ZCLCA, prevê no seu
artigo 2º-c) que, para atingirem o objetivo do comércio livre entre os Estados
membros, devem ser promovidas melhorias nos procedimentos aduaneiros e na
facilitação do comércio. Por seu turno, o artigo 15º transfere aos Estados
membros a responsabilidade de tomarem as medidas necessárias para facilitar o
comércio conforme os termos do Anexo 4 do referido Protocolo.
Nesse contexto o Anexo 4 sobre a facilitação do comércio oferece a base regulamentar para o efeito e descreve em 31 artigos um conjunto de normas de carácter obrigatórias e orientação e padrões facultativos, quase que textualmente inspirados ou replicados das disposições previstas no AFC da OMC.
A implementação do Comité Nacional de Facilitação do Comércio (CNFC) e a realização da ação de formação pela CNUCED em 2021, com objetivo de reforçar a capacidade dos membros do CNFC, através do Programa de Empoderamento dos Comités Nacionais de Facilitação de Comércio, constituem o início de um processo de interiorização, apropriação e engajamento de STP no processo de implementação das reformas conforme o Acordo de Facilitação de Comércio.
A conjugação da visão das Alfândegas de STP, as
obrigações legais decorrentes da adesão a ZCLCA, a disponibilidade da
assistência técnica manifestada pela CNUCED para apoiar STP, a previsão legal
do artigo 14º do Protocolo de Comércio de Mercadorias da ZCLCA, bem como outras
iniciativas de Estados e organizações internacionais para apoiar o País no
processo de facilitação de comércio, oferecem a STP a oportunidade para
inaugurar uma nova era de reformas de procedimentos aduaneiros, alinhados aos
padrões internacionais assentes em medidas para modernizar a administração
aduaneira, simplificar e agilizar os procedimentos do comércio externo,
reforçar a cooperação com o sector privado entre as Alfândegas regionais e
internacionais e reforçar a capacidade de prevenção e combate ás infracções
aduaneiras.
Conclui-se que, o objetivo comum de criação do mercado único ao nível do continente africano contextualizado e regulamentado nos termos do Tratado da ZCLCA do Protocolo de Comércio de mercadorias e do Anexo 4, alinhados a AFC, constituem grandes desafios e oportunidades para STP modernizar o sector comercial através da facilitação de comércio.
Ilza
Maria dos Santos Amado Vaz
Bibliografia:
- Acordo que cria Zona de Comércio Livre Continental Africana- Protocolo de Comércio de mercadorias e seus anexos- UA -Bangui 2018.
- Curso de Introdução ao Acordo de Facilitação do Comércio Programa de Empoderamento para Comités Nacionais de Facilitação do Comércio da UNCTAD-2021.
- Grandes Opções de Plano do XVII Governo Constitucional de São Tomé e Príncipe -2021.
- Roteiro nacional de facilitação do comércio de São Tomé e Príncipe 2019-2023 elaborado pela CNUCED, no âmbito do Programa de Empoderamento dos Comités Nacionais de Facilitação de Comércio.
- Plano
Estratégico das Alfândegas 2019-2023.