Género no comércio externo - Perspectiva das mulheres comerciantes em São Tomé e Príncipe

Ilza Maria dos Santos Amado Vaz
A igualdade de género tem sido um dos temas importantes nas agendas nacionais, regionais e internacionais, obrigando os Estados a assumirem engajamentos e adoptarem medidas para reduzir as desigualdades baseadas no género.

Há 47 anos, a questão de género foi assumida pela Organização das Nações Unidas como um tema importante, tendo a 4ª Conferência Mundial de Pequim de 1995 inaugurando uma nova era global de igualdade de género.

Assim, na perspectiva específica do género no comércio mundial reconheceu-se que "a globalização, incluindo a integração económica, pode exercer pressões sobre a situação laboral das mulheres” transferindo aos Estados a responsabilidade de garantirem que "as políticas nacionais relacionadas com os Acordos comerciais internacionais e regionais não tenham um impacto adverso sobre as actividades económicas novas e tradicionais das mulheres”. A Conferência de Pequim recomendou ainda que fossem implementadas acções para "facilitar a igualdade de acesso das mulheres aos recursos, ao emprego, aos mercados e ao comércio".

Com a Declaração Conjunta sobre Comércio e Empoderamento Económico das Mulheres adoptada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2017, definiu-se a posição que deve ser garantida às mulheres no comércio internacional. Assim, os Estados implicados devem assumir a sua plena participação no comércio internacional "trabalhar em conjunto na OMC para eliminar as barreiras ao empoderamento económico das mulheres e aumentar a sua participação no comércio".

Ao nível regional, os Direitos das mulheres e igualdade de género no comércio estão salvaguardados na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres (Protocolo de Maputo) de 2003 e na Estratégia da União Africana para a igualdade de género e empoderamento da mulher (GEWE) 2018-2028. No mesmo sentido, o Acordo que cria a livre troca comercial no continente africano prevê que os Estados devem “promover e alcançar um desenvolvimento socioeconómico sustentável e inclusivo, igualdade do género e a transformação estrutural dos Estados Partes”.

São Tomé e Príncipe (STP), enquanto Estado membro da ONU e da União Africana, comunga os mesmos princípios e ideais de promoção da igualdade de género e confronta-se com grandes desafios ao nível social, económico, político e financeiro, que paulatinamente têm sido superados graças a permanente conjugação dos esforços do sector público, privado e da sociedade civil organizada que actuam na promoção de igualdade de género numa visão holística e transversal.

A igualdade de género é considerada como um elemento equilibrador do desenvolvimento harmonioso e sustentável do País e salvaguardado ao mais alto nível na Constituição da República[i] que, no seu artigo 15º-2 determina que “ A mulher é igual ao homem em direitos e deveres, sendo-lhe assegurada a plena participação na vida política económica, social e cultural”.

Por força dessa disposição constitucional é vedada a existência de qualquer norma que introduza elementos de discriminação baseada no sexo.

Essa garantia legal da igualdade de género tem reflexos positivos na vida das mulheres que desenvolvem a actividade comercial. Entretanto, para além das questões legais é necessário conhecer-se a real situação factual da condição feminina na actividade comercial.

Nesse contexto e com o objectivo de compreender em que medida a questão de género impacta na realização da actividade comercial, foi elaborado o presente trabalho que faz a análise e restituição do resultado das auscultações às mulheres que se dedicam à actividade comercial de importação e comercialização de mercadorias em STP.

O trabalho foi feito na base de depoimentos de 30 mulheres empresárias, dirigentes e membros da organização associativa e de um grupo de mulheres, das quais 28 se dedicam ao comércio transfronteiriço. Maioritariamente, elas realizam importações de produtos alimentares, vestuários, calçados, acessórios femininos, produtos de beleza e bebidas, cerca de 85% das importações provêm do continente africano (Angola, Togo, Gabão e Camarões), 15% de Portugal, Brasil e Inglaterra. Todas enquadram-se na categoria de comerciantes formais. Das 30 mulheres, somente 13 % têm formação superior, variando a faixa etária entre 35 anos e 62 anos.

Ao nível associativo, existe a Associação das Mulheres Empresárias e Profissionais (AMEP) com 89 mulheres filiadas das quais 33% são comerciantes. Existe um grupo de Caixeiros Viajantes com 198 membros dos quais mais de 50% são mulheres, estando os membros no processo de oficialização do grupo visando a criação legal da Associação de Caixeiros Viajantes.

De acordo com os testemunhos das 30 mulheres empresarias, conclui-se que não existe em STP discriminação legal ou de facto que tenha por substrato o sujeito ser mulher ou homem. 

Com efeito, o acesso a actividade comercial, os atendimentos, os procedimentos administrativos, o controlo e a fiscalização, o acesso a informação, os aspectos e custos ligados ao comércio, os impostos aduaneiros e outras tributações aplicam-se de igual maneira á todos, independentemente do sexo.
As dificuldades estruturantes, o difícil acesso ao financiamento, as deficientes e escassas infra-estruturas, o clientelismo, a subjectividade, a burocracia e algumas práticas incorrectas nos sectores públicos e na actividade comercial afectam da mesma maneira as mulheres e os homens.

Denota-se, porém, que os fracos níveis académicos da maioria das mulheres comerciantes têm um impacto negativo, tendo em conta que limitam a capacidade das mesmas de compreender e interpretar as normas de organização e funcionamento das suas pequenas e médias empresas, as regras, os procedimentos, as taxas e impostos o que contribui para criar uma percepção generalizada de que todo o sistema é hostil ou negativo para o desenvolvimento das suas actividades. O difícil acesso ao financiamento, juros quase proibitivos dos empréstimos bancários e dos obtidos através dos meios informais, fraco acesso e utilização das tecnologias de informação e comunicação, falta de ligações marítimas e aéreas regulares e custos elevados associados, também afectam negativamente.

A concorrência dos grandes importadores que praticam preços muito baixos, a proliferação de vendedores informais e ambulatórios fazem com que os comerciantes não consigam vender as mercadorias, pagar as dívidas e desenvolver com sucesso as suas actividades. Situação que se agrava quando a opção é de adquirir as mercadorias a grosso no mercado interno, onde os preços praticados são os mesmos aplicados à venda a retalho, não deixando margens para ganhos na revenda.

Esses factores fazem com que as mulheres se sintam asfixiadas e muitas ponderam abandonar a actividade, pondo em causa a sustentabilidade das famílias e o empoderamento das mulheres, agravando assim a situação de pobreza.

As mulheres comerciantes entendem que esses constrangimentos têm maior impacto nas suas vidas, enquanto mães, muitas vezes única responsável pela vida e educação dos filhos e com gestão do tempo mais apertada devido a conjugação com as lides domésticas. Com efeito, impõem-se-lhes quotidianamente o grande desafio de alimentar e cuidar da família, de ter autonomia financeira e de contribuir para o desenvolvimento do País.

Face aos desafios e aos diversos obstáculos existentes torna-se imperioso a definição de políticas públicas multissectoriais para melhorar o ambiente de negócios e da actividade comercial. A adopção de mecanismos de financiamento e créditos mais atractivos, simplificação dos procedimentos, divulgação e simplificação das normas, divulgação e diminuição das taxas, regulação, inspecção e controlo da actividade comercial, podem ser consideradas de maneira coordenadas como componentes essenciais.

Outrossim, a implementação de soluções previstas no Acordo de Facilitação do Comércio (AFC) permite melhorar a integração do género. Com efeito, as medidas previstas no AFC promovem uma perspectiva equilibrada do género no comércio.

Assim, a publicação[ii], sensibilização e divulgação das informações aduaneiras e do comércio de maneira acessível, clara e abrangente, através da internet, comunicação social e espaços de informação próximos das comerciantes, ajudará a eliminar o desconhecimento das normas, procedimentos e das taxas.

A participação das mulheres comerciantes na feitura das normas comerciais, através de consulta pública das propostas legais ou regulamentares abre a possibilidade de serem tomadas em consideração os aspectos sensíveis ao género.

A formação e capacitação ajudará as mulheres a identificar decisões administrativas arbitrárias, contestar e requerer a sua revisão e fazer advocacia junto aos decisores para que sejam analisados e revistos periodicamente os impostos e as taxas.

A representação e a participação activa das mulheres nas associações revestem-se de uma importância capital na definição de estratégias e acções, garantem que as preocupações e especificidades de género sejam reflectidas nas decisões, e permitem uma representação responsável e contributiva nos Comités e fóruns nacionais, regionais e internacionais sobre o comércio.

Conclui-se, por isso, que, não obstante existir a salvaguarda legal da igualdade de género e a inexistente da desigualdade no acesso e desenvolvimento da actividade comercial, também é verdade que o papel da mulher são-tomense na família, o seu baixo nível académico, a falta de recursos e o desregulamento da actividade comercial afectam a plena integração da mulher no comércio.

É importante que a questão de género seja integrada enquanto elemento incentivador de políticas públicas de diferenciação positiva para assegurar a continuidade de pequenas empresas de comércio desenvolvidas pelas mulheres e agir para criar um ambiente onde todos, acautelando-se as especificidades, consigam desenvolver a actividade comercial e contribuírem para o desenvolvimento pessoal e do País.

[i] Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe – Lei 1/2003
[ii] Acordo de Facilitação de Comércio da OMC

Ilza Maria dos Santos Amado Vaz

Formou em Direito e especializou-se na área aduaneira - Inspectora aduaneira (França 1997). Exerceu o cargo de Ministra da Justiça, Administração Pública e Direitos Humanos (STP 2016-2018). Foi Directora Geral das Alfândegas (STP 1999-2016). É Assessora Aduaneira Principal, Consultora, Coordenadora da Comissão Aduaneira Nacional para Implementação do Tratado Zona de Livre Troca Comercial no Continente Africano (ZLCAf), membro do Comité Nacional da Facilitação do Comércio e representante de STP no Órgão estatutário de Resolução de Conflitos da ZLTCAf.



Bibliografia:

- Acordo que cria Zona de Comércio Livre Continental Africana- Protocolo de Comércio de mercadorias e seus anexos- UA -Bangui 2018. 
- Curso de Introdução ao Acordo de Facilitação do Comércio Programa de Empoderamento para Comités Nacionais de Facilitação do Comércio da UNCTAD-2021. 
- Grandes Opções de Plano do XVII Governo Constitucional de São Tomé e Príncipe -2021. 
- Roteiro nacional de facilitação do comércio de São Tomé e Príncipe 2019-2023 elaborado pela CNUCED, no âmbito do Programa de Empoderamento dos Comités Nacionais de Facilitação de Comércio. 
- Plano Estratégico das Alfândegas 2019-2023. 



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