Multiplicidade de atores no Brasil: um desafio à facilitação do transporte de mercadorias no comércio internacional
O artigo 11 do AFC versa sobre a liberdade de trânsito entre países. O parágrafo 17 desse artigo prevê que “cada Membro envidará esforços para nomear um coordenador nacional de trânsito, ao qual todos os questionamentos e propostas de outros Membros relativos ao bom funcionamento das operações de trânsito possam ser endereçados”. Não é possível, entretanto, precisar quais países atendem a essa orientação, uma vez que Angola e Cuba foram os únicos países a comunicarem ao Comitê de Facilitação do Comércio da OMC os contatos de seus coordenadores nacionais de trânsito até o momento [3].
No Brasil, ainda não se tem publicizado os coordenadores nacionais de trânsito, mas o ponto de contato para as questões de facilitação do comércio é a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), órgão aduaneiro subordinado ao Ministério da Fazenda [4]. A RFB é um dos órgãos que integram o Comitê Nacional de Facilitação do Comércio (Confac), órgão consultivo e executivo criado em 2016 [5], e instituído novamente pelo Decreto nº 10.373, de 26 de maio de 2020 [6], em consonância à determinação do artigo 23.2 do AFC.
Dentre as competências do Confac estão: facilitar a coordenação, a harmonização das atividades operacionais dos órgãos e da Administração Pública Federal relacionadas com importação e exportação; favorecer a coordenação doméstica para a implementação do AFC; e promover inciativas de parceria e cooperação com órgãos e entidades públicas ou privadas, em temas relacionados à facilitação e à desburocratização do comércio exterior [7].
Integram o Confac o Subcomitê de Cooperação e as Comissões Locais de Facilitação do Comércio. O Subcomitê de Cooperação tem como objetivo “identificar pontos de ineficiência em trâmites processuais, procedimentos, formalidades, exigências ou controles relativos ao comércio exterior de bens e serviços e propor soluções para esses pontos, por meio da cooperação e da colaboração entre as partes interessadas”. Dentre seus convidados permanentes está a Confederação Nacional do Transporte (CNT) [8].
As Comissões Locais de Facilitação do Comércio têm como objetivo “promover a discussão de propostas de aprimoramento dos procedimentos relativos à exportação, à importação e ao trânsito de mercadorias e da participação colaborativa nos processos de implementação de medidas e de iniciativas de facilitação do comércio, entre intervenientes em comércio exterior e órgãos e entidades públicos” [9].
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é uma autarquia federal ligada ao Ministério dos Transportes e uma das autoridades do Brasil nesta matéria. Segundo a Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, estão entre as atribuições da ANTT habilitar o transportador internacional de cargas, fiscalizar a prestação do serviço de transporte internacional de cargas e acompanhar as atividades dos operadores estrangeiros que atuam no transporte internacional com o Brasil, visando a identificar práticas operacionais, legislações e procedimentos, adotados em outros países, que restrinjam ou conflitem com regulamentos e acordos internacionais firmados pelo Brasil [10]. A ANTT também representa o país no Subgrupo de Trabalho n° 5 (SGT nº 5) “Transporte” do Grupo Mercado Comum (GMC) - Mercosul [11] e nas reuniões da Comissão de acompanhamento do Acordo sobre Transporte Internacional Terrestre (Comissão do Artigo 16 do ATIT [12]).
O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, além de integrante do Confac, representa o Brasil no Subgrupo de Trabalho n° 18 (SGT n° 18) “Integração Fronteiriça” [13] e no Subgrupo de Trabalho n° 14 (SGT n° 14) “Infraestrutura Física” do GMC - Mercosul [14], os quais também guardam relação com o transporte internacional de cargas.
O comércio internacional, portanto, é tema que dialoga com as atribuições de diversas instituições públicas e privadas no Brasil na matéria de transporte. Essa complexidade se torna ainda maior se considerada a grande extensão do território e das fronteiras do país. O diálogo e o alinhamento entre os diferentes atores são fundamentais e o Confac se mostra um foro com potencial para promover essa integração, seja através do Subcomitê de Cooperação, seja através da instauração de grupos de trabalho temporários. É necessário, entretanto, expandir os órgãos e instituições que participam das discussões no comitê.
A troca de informações, integração de sistemas, harmonização e racionalização de dados poderiam servir como um impulso para a coordenação e a cooperação interna entre os órgãos e entidades do governo brasileiro que atuam nas fronteiras e nas operações de comércio exterior [15]. A comunicação interinstitucional e a construção de planos de trabalho que abranjam ações coordenadas e estratégicas também são essenciais para que o desafio imposto pela multiplicidade de atores seja superado no Brasil, possibilitando a plena implementação do AFT e o desenvolvimento mais eficiente do comércio internacional.
Michelle Vieira de Almeida
É aluna no Mestrado em Gestão e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP) e egressa do Mestrado em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Michelle Vieira é filha de Solange Vieira e neta de Dejanira e Ernesto.
Bibliografia:
[2] THORSTENSEN, Vera; SILVA, Gustavo Jorge. Facilitação de Comércio: 2020. OMC, Acordo Mercosul-UE e USMCA. In: Vera Thorstensen; Thiago Nogueira. (Org.). O Brasil entre União Europeia e Estados Unidos: uma leitura comparada das regulações da OMC e textos do Mercosul-UE e USCMA. 1ed.São Paulo: VT Assessoria Consultoria e Treinamento Ltda., v. 1, p. 63-79.
[3] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. 2023. Trade Facilitation Agreement Database. Disponível em <https://tfadatabase.org/en/documents/search>. Acessado em 24 de março de 2023.
[4] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. 2023. Trade Facilitation Agreement Database. Disponível em <https://www.tfadatabase.org/en/members/brazil/contact-points>. Acessado em 24 de março de 2023.
[5] BRASIL. 2016. Decreto nº 8.807, de 12 de julho de 2016. Altera o Decreto nº 4.732, de 10 de junho de 2003, que dispõe sobre a Câmara de Comércio Exterior - CAMEX, e o Decreto nº 4.993, de 18 de fevereiro de 2004, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 12/07/2016, Edição Extra, p. 1. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8807.htm>. Acessado em 26/03/2023.
[6] BRASIL. 2020. Decreto nº 10.373, de 26 de maio de 2020. Institui o Comitê Nacional de Facilitação do Comércio e altera o Decreto nº 9.745, de 8 de abril de 2019. Diário Oficial da União, 27/05/2020, Edição 100, Seção 1, Página 98. Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.373-de-26-de-maio-de-2020-258706551>. Acessado em 23 de março de 2023.
[7] BRASIL. 2022. Resolução GECEX nº 377, de 20 de julho de 2022. Aprova o Regimento Interno do Comitê Nacional de Facilitação do Comércio - Confac. Diário Oficial da União, 22/07/2022, Edição 138, Seção 1, Página 51. Disponível em <https://www.in.gov.br/En/web/dou/-/resolucao-gecex-n-377-de-20-de-julho-de-2022-417056580>. Acessado em 27/03/2023.
[8] BRASIL. 2022. Resolução GECEX nº 377, de 20 de julho de 2022. Aprova o Regimento Interno do Comitê Nacional de Facilitação do Comércio - Confac. Diário Oficial da União, 22/07/2022, Edição 138, Seção 1, Página 51. Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-gecex-n-377-de-20-de-julho-de-2022-417056580>. Acessado em 27/03/2023.
[9] BRASIL. 2020. Decreto nº 10.373, de 26 de maio de 2020. Institui o Comitê Nacional de Facilitação do Comércio e altera o Decreto nº 9.745, de 8 de abril de 2019. Diário Oficial da União, 27/05/2020, Edição 100, Seção 1, Página 98. Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.373-de-26-de-maio-de-2020-258706551>. Acessado em 23 de março de 2023.
[10] BRASIL. 2001. Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001. Dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 06/06/2001, Seção 1, Página 1. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10233.htm>. Acessado em 24 de março de 2023.
[11] Grupo Mercado Comum - MERCOSUL. 2014. Decisão MERCOSUL/CMC/DEC. nº 24/14. Estrutura do Grupo Mercado Comum e Tipologia de seus Órgãos Dependentes. Disponível em <https://www.mercosur.int/pt-br/documentos-e-normativa/normativa/>. Acessado em 26/03/2023.
[12] ALADI. 2019. Transporte. Acordo Sobre Transporte Internacional Terrestre – ATIT. Disponível em <http://www2.aladi.org/sitioAladi/facilitacionComercioTransporteATITp.html>. Acessado em 27/03/2023.
[13] Grupo Mercado Comum - MERCOSUL. 2015. Resolução MERCOSUL/GMC/RES. n° 59/15. Subgrupo de Trabalho sobre Integração Fronteiriça. Disponível em <https://www.mercosur.int/pt-br/documentos-e-normativa/normativa/>. Acessado em 26/03/2023.
[14] Grupo Mercado Comum - MERCOSUL. 2022. Resolução MERCOSUL/GMC/RES. n° 17/22. Subgrupo de Trabalho nº 14 “Infraestrutura Física”. Disponível em <https://www.mercosur.int/pt-br/documentos-e-normativa/normativa/>. Acessado em 26/03/2023.
[15] LAHUD, Leonardo Diniz. 2018. Facilitação de comércio: passado, presente e a facilitação 2.0. 2018. 30 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Relações Internacionais) - Universidade de Brasília, Brasília. Disponível em <https://bdm.unb.br/handle/10483/24337>. Acessado em 27/03/2023.